sexta-feira, 20 de maio de 2011

Dublin

Dublin é um lugar completamente diferente de todos os outros. Quando eu ouvi isso,foi como se aquelas palavras só me confirmassem algo que eu já sabia. E elas não vinham de nenhuma agência de turismo, de propaganda de intercâmbio, ou mesmo de outro brasileiro ou sul-americano que veio estudar inglês.
Ela é suíça, já morou na Austrália, viajou para vários lugares, e diz que não sai de Dublin por nada. Porque aqui é isso que a gente vê, quem consegue enxergar: uma cidade onde você encontra pessoas do mundo inteiro, onde todo mundo está envolvido com algo interessante: música, canto, pintura, fotografia, ou alguma forma de manifestação artística. Onde tem milhões de músicos tocando em todos os pubs da cidade todos os dias da semana. Ou até mesmo nas ruas do Temple Bar ou na Grafton Street.
Mais tarde, no Sweeneys, conversando com um irlandês ele disse: Dublin não tem nada para ser especial. O clima é horrível, não temos verão, praias, etc, a infra estrutura da cidade não é aquelas coisas, mas esse lugar é especial por isso aqui. E isso não se explica, todo mundo que está aqui sabe que existe, mas só a pessoa vivendo aqui e percebendo por ela mesma.
O que é isso, algum tipo de segredo que todo mundo que está aqui sabe, mas não vão te contar??
E eu percebo quantos brasileiros (isso que eu vejo, mas deve acontecer com pessoas de todo o mundo que vêm pra cá) ficam aqui por determinado tempo e vão embora sem perceber isso. Eu sempre gostei de Dublin (com exceção do inverno horrível) mas pra eu sentir isso mesmo foi um processo lento, do qual eu só tenho me dado conta recentemente.
Dentre o final do ano passado e o começo desse ano aconteceu um processo que vários amigos brasileiros, pessoas queridas que eu adoro, foram embora. E como eu não costumo ir nas festas onde se reúnem geralmente mais brasileiros (com exceção de uma) tipo Diceys, Australiano ou Odeon, eu fiquei com bem menos amigos brasileiros. E ao mesmo tempo fui fazendo mais amigos estrangeiros, tanto irishes como de outras nacionalidades, mas que moram aqui faz bastante tempo e estão aqui porque gostam de Dublin.
Com eles, conheci lugares que nunca tinha ido, eventos novos, principalmente de música, porque todos eles se não são músicos, gostam de boa música, e aprendi muito com a história de vida de cada um. Um largou o emprego como contador pra ser baixista profissional, e hoje toca em várias bandas e muito bem por sinal. Ele tem uma história muito bacana:
Começou a estudar piano aos cinco anos de idade, o que é comum entre as crianças irlandesas. Aos 8, ouviu Beatles no rádio e pediu ao professor pra aprender essas músicas. O professor, horrorizado, se negou, dizendo que ele tinha que estudar os clássicos, como vinha fazendo, que rock and roll era "bad music". Diante disso, ele (Jonesy) simplesmente se negou a continuar com as aulas e os pais tiveram que dispensar o professor.
Aos 14 anos ele já ouvia rock, deixou o cabelo crescer, etc, mas nunca mais tinha tocado nada. Eu perguntei como ele escolheu tocar baixo, e ele disse que toda banda tinha uma formação básica: guitarra base, guitarra solo, bateria vocal, e aquele quinto instrumento, que fazia aquele som tão característico, que o intrigava... até que um dia ele chegou para o pai dele e disse que queria tocar baixo. O pai disse: o que? Não menino, vai aprender a jogar futebol, vai. Duas semanas depois, ele voltou e falou que não queria jogar futebol, queria tocar baixo. Tanto insistiu que o pai deu o dinheiro pra ele comprar, e ele se trancou no quarto e começou a transpor tudo o que ele sabia do piano para o baixo... e assim começou... 
Quando ele foi para a faculdade tocava muito pouco, e depois quando começou a trabalhar como contador, menos ainda. Mas segundo ele, uma hora não aguentou mais e largou o emprego para voltar a tocar. Eu tenho um profundo respeito pelas pessoas que fazem isso. E ele ama tanto o que faz, é algo tão visível, que realmente não tem como dizer que ele não nasceu para fazer isso. Além do talento, claro. Quem tem tanto amor por alguma coisa, merece ter o direito de fazer isso para toda a vida...
Mas têm vários outros casos. Outro amigo saiu do colégio e não foi fazer faculdade também porque toca bateria desde os sete anos de idade e sempre soube que era isso que queria fazer. Outro, pediu demissão do seu emprego como engenheiro de software pra montar seu próprio negócio de fotografia. Outra, veio da Suíça pra cá porque quer se dedicar à pintura e sente que aqui é o lugar para isso (mas tem seu emprego normal). Outra, é professora de francês, mas também canta. Um casal que eu adoro, ele trabalha no shopping mas também é bateirista, e por aí vai...
Aqui em Dublin eu tive inspiração para decidir várias coisas sobre a minha vida, e fazer o que sempre quis fazer mas não tinha coragem. E foi também um processo lento, as coisas foram acontecendo de forma que me levaram a essa conclusão. Que era óbvia, na verdade, mas antes eu simplesmente não via. Além de muitas influências externas e etc. Considerando que esse era o principal objetivo da minha viagem, percebo que não poderia ter escolhido lugar melhor pra vir.
Tenho pouco tempo aqui agora. Sei que no momento não posso ficar indefinidamente, por várias razões pessoais, mas vontade não falta. Tenho consciência que vou morrer de saudades desse lugar, dessa viagem e das pessoas maravilhosas que encontrei por aqui.  E estou falando tudo isso aqui porque espero que quem estiver vindo pra cá, ou já está aqui, perceba isso e aproveite ao máximo essa experiência.
Na casa dessa minha amiga Suíça, eu estava ontem na casa dela e ela tem telas espalhadas por todos os lugares. Ela tem um estilo meio quadriculado, que geralmente não me atrai, mas uma delas em especial me chamou a atenção por uma coisa: o olhar. A mulher tinha um olhar pensativo e sonhador como os artistas, mas ao mesmo tempo firme e determinado, como uma pessoa que luta pelo que quer, que persiste e não desiste facilmente. Esse é meu ideal de vida. Gostei tanto da pintura que ela me deu! Ela é tão querida!
Essa com certeza vai pra parede do meu quarto no Brasil...

by Cindy Bissing

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